«O progresso é impossível sem mudança; e aqueles que não conseguem mudar as suas mentes não conseguem mudar nada.»
George Bernard Shaw
Pessoalmente, não vejo problemas na intenção do Presidente da República de produzir e submeter uma proposta de lei para o órgão legiferante, seja ela, a proposta, fruto de consensos, diálogos, ou do que for.… pese embora recuse-me a aceitar, em concreto, a tese do consenso, porque tal resulta do diálogo de duas pessoas (com os seus pesos), com exclusão de outras forças políticas e da dita sociedade civil… em súmula, é uma proposta com cobertura, porque resulta da lei. Por outra banda, não acho absurdas as propostas, porquanto resultam de algum raciocínio, posso é discordar dos timings e da maneira de o fazer.
A guisa de começo, sou de opinião que se deva reconhecer os avanços que vivemos, particularmente pelo calar das armas e do regresso a vida normal, mesmo que prevaleçam feridas, que rogo ao tempo para que ajude a sarar. Contudo, é preciso não perder de vista que este cenário resulta da violação de uma “trégua” que durou entre os acordos de 5 de Setembro de 2014, os da cessão das hostilidades, e o início do novo ciclo de governação, como se ousa chamar, mormente em 2015. Altura em que tivemos o reinício das hostilidades armadas, tudo porque a Renamo não quis reconhecer os resultados dos escrutínios de 2014 (depois de inúmeras cedências, que custaram dinheiro dos contribuintes), o resto são autênticas balelas…
Analisando a proposta, dita pontual, de revisão constitucional para acomodar o que se pretende, começo por recordar que os mecanismos de produção e interpretação das normas jurídicas não podem ser levados a cabo desportiva ou levianamente, ainda que para acomodar pretensões “razoáveis”, pois eles devem respeitar a ideia de direito vigente, que se traduz num sistema jurídico, com traves mestras, dentre elas a constituição.
Pelo que, a proposta em questão, que se traduz, em súmula, na eleição de governadores provinciais, administradores distritais e na não eleição pessoal dos presidentes do município, num modelo que seria uniforme para essas realidades, a eleição por listas, deve obedecer ao quadro constitucional vigente.
O primeiro exercício que se oferece fazer, olhando sempre para a constituição em vigor, é o de saber como materializar o que se pretende? Porquanto isso implica alterar o quadro vigente.
Dado que a proposta pode ser acolhida, contudo, não pela dita revisão pontual, e sim por via de um processo mais complexo, que envolva a generalidade da sociedade, pelos motivos que se seguem:
1. Cada Estado é um Estado, e o é em função de factores de vária ordem, dentre eles: históricos, geográficos, linguísticos, raciais, religiosos, económicos, políticos… e a maior parte deles não estáticos…
2. Onde para percebermos se estamos num Estado unitário ou não (federado) teremos, em resumo, de perceber se há um centro de poder político ou vários, e se existe uma constituição ou vários ordenamentos jurídicos constitucionais.
3. No estado unitário, como é nosso caso, é dominante a ideia de haver uma só constituição e de o poder político ser exercido por um ente central, que pode, no entanto, descentralizar, sem nunca perder o seu ADN, e sem que disso resulte alguma sombra/questionamento ao poder central.
4. Ora, no caso de eleição de governadores provinciais e de administradores distritais, que podem ser de partidos diferentes do que dirige o poder central, essas garantias são escassas, porque pode ocorrer que o governador eleito, de outro partido, por si ou por indicação do seu partido, recuse cumprir algum comando expresso do governo central, assim como pode o administrador em relação ao seu governador.
5. Desse modo, o estado unitário estaria potencialmente comprometido e os riscos de cisão seriam altos, capazes de gerar federações ou autodeterminações, sobretudo nesta época de “descobertas” de recursos…
6. Ademais, vivemos épocas em que o localismo parece progredir (em que só são elegíveis os locais), e tal pode significar o êxodo de políticos de uma província para outra ou de um distrito para outro, o que compromete, nesta fase, a tão sagrada unidade nacional e pode significar um retrocesso no processo de desenvolvimento, que como se sabe, radica na diversidade. Para isto, basta recuar para uma tentativa similar do Presidente Chissano (na busca de um modelo razoável) no seu consulado multipartidário.
7. Em relação as eleições das assembleias provinciais e distritais, por causa da unidade do Estado, elas parecem não fazem sentido… pois afigurar-se-iam réplicas do órgão legiferante central, a Assembleia da República, com competências, quando muito, para avaliar e sancionar desempenhos das actividades dos governos provinciais e distritais, subordinados, em rigor, ao governo central.
8. Desde logo pelos elevados riscos de conflitos, precedentes e de sobrevivência do Estado unitário, porquanto, se uma assembleia distrital chumbar o programa do governo do seu distrito e a Assembleia da República o “aprovar”, pela avaliação do desempenho do governo central, terá de se considerar nula a avaliação do governo distrital, o que só faria sentido num sistema federal.
9. Quanto a não eleição directa e pessoal dos edis, parece ser consensual que ela atente aos limites materiais, conforme postula o art. 292 da nossa constituição, e que como tal tenha de ser sujeita a referendo.
10. Contudo, porque há uma corrente que vê na alteração de tal artigo um meio-termo ao referendo… é de recear que a mesma esteja equivocada… porque haverá que considerar o art. 292 da CRM um limite material em si… pois a sua alteração implica, necessariamente, a alteração do materialmente protegido…
11. O referendo afigura-se igualmente necessário na matéria referente a eleição dos governadores provinciais e administradores distritais, pelos motivos já referidos, quando atendida a al. a) a independência, a soberania e a unidade do Estado, do nº 1 do art. 292 da CRM.
12. Não deixa de fazer sentido, também, a necessidade de clarificar o sentido da al. e) do nº 1 art. 292 da CRM, pela multiplicidade de sentidos que pode originar, pois faz referência aos órgãos de soberania nas províncias…
13. E como proceder ao referendo? Para já não é possível, porquanto, não temos norma para o efeito!
14. Que a ser aprovada na sessão que em breve inicia, não dá garantias de que o mesmo possa ser materializado em tempo útil, quer pela difícil convocação, quer pelo sua não efectivação, pois não se convocam e não se realizam referendos entre a data da convocação e da realização de eleições gerais, nos termos do nº 5 do art. 136 da CRM.
15. Não restará, por isso, se calhar, ao poder legiferante, a valerem estes argumentos, outra saída se não “devolver” ao proponente o anteprojecto…
16. E porque se afigura de interesse nacional repensar o nosso modelo político, pode ser outorgado um compromisso público de discussão da matéria, com possibilidade de referendo, em 2020, porque esta legislatura mostra-se incompetente para a matéria em causa…
p.s1 sobre esta matéria penso que os debates devem ser alargados, a sociedade civil, aos partidos político, e dentro deles as várias sensibilidades, desde a base ao topo…
p.s.2 esta é uma de muitas opiniões possíveis, portanto longe de ser a certa…