Os dados possíveis apontam para que o instituto do Habeas corpus remonte à Roma Imperial, por via de um interdictumdenominado homine libero exhibendo, concedido a quem fosse ilegalmente privado da liberdade (cfr. à propósito Cruz, Sebastião, Direito Romano, I., Coimbra, 1973, p. 327 entre outros). Modernamente, ele tem sido apontado ao direito anglo-saxónico, por intermédio do Habeas corpus Amendment Act., de 1679 (cfr. Silva, Germano M., Curso de Processo Penal, II., Verbo, 2008, p. 358).
O instituto veio a figurar no catálogo da Declaração de Direitos do Congresso de Filadélfia de 1774, mais tarde consagrado na Declaração de Direitos proclamada pela Assembleia Legislativa francesa, em 1789. Depois disso, seguiu-se a adopção pela generalidade das constituições modernas.
No direito português, o Habeas corpus foi consagrado nas Constituições de 1911 e de 1933. Contudo, apesar deste assinalável efeito, o instituto viria, apenas, a ser consagrado infra-constitucionalmente através do Decreto Lei (DL) nº 35043, de 20 de Outubro de 1945. Enquanto que, no ordenamento jurídico moçambicano, o instituto foi consagrado em 1974, através da Portaria nº 340/74, de 25 de Maio, enquanto parte integrante da soberania colonial portuguesa.
Modernamente, o instituto do Habeas corpusencontra-se consagrado, com carácter de direito fundamental, no ordenamento jurídico moçambicano, cfr. art. 66 da Constituição da República de Moçambique (CRM), enquanto direito-garantia para a tutela de um direito fundamental, o direito à liberdade pessoal, art. 59, nº 1 do mesmo diploma constitucional. Consagração paralela no ordenamento português, mormente na sua Constituição, a CRP, nos seus art. 31, nº 1, 27, nº 1.
A sua aplicabilidade, em Moçambique, está sujeita a apertados requisitos, nomeadamente: i) Estar excedido o prazo de entrega ao Poder Judicial; ii) Manter-se a detenção fora dos locais para este efeito autorizados por lei ou pelo Governo; iii)Ter sido efectuado o internamento em estabelecimento de detenção por ordem de autoridade incompetente; iv)Ser a detenção motivada por facto pela qual a lei não o permita; – art. 312 do Código de Processo Penal (CPP), aprovado pelo Decreto número 19 271, de 24 de Janeiro de 1931, e v)Ter sido efectuada ou ordenada por quem para tanto não tenha competência legal; vi) Ser motivada por facto pelo qual a lei não autoriza a prisão; vii) Manter-se além dos prazos legais para a apresentação em juízo e para a formação de culpa; viii) Prolongar-se além do tempo fixado por decisão judicial para a duração da pena ou da medida de segurança ou da sua prorrogação, art. 315 do CPP.
No primeiro grupo, o do art. 312, são competentes para o dirimir os tribunais provinciais, art. 74 da Lei número 24/2007, de 20 de Agosto, a LOJ e no segundo grupo apenas o Tribunal Supremo, art. 315 e seguintes (ss.) do CPP e art. 51 da LOJ, todas disposições com respaldo constitucional, que não descrimina a competência judicial e permite que norma infraconstitucional disponha sobre o quadro de competências judiciais.
No entanto, o nó górdio da aplicação deste instituto é a postura dos tribunais em relação a ele, mormente do Tribunal Supremo, que em duas situações limita os fundamentais direitos dos requerentes. Na primeira situação, raramente, para não dizer nunca, respeita o prazo de oitos dias para o dirimir, conforme dispõe a CRM, no nº 2 do art. 66, que obriga que um pedido de Habeas corpusdeva ser decidido no prazo máximo de 8 dias. Casos há, inclusive, que os requerimentos são julgados passados 3 meses e ou em que nunca são notificados, os requerentes, da decisão, para poderem, v.g., requerer para o plenário do mesmo Tribunal, arts. 43, al. a) e 45, al. c) da LOJ!
Outro cenário, mais grava ainda, é o do desrespeito dos prazos da prisão preventiva, mormente quando se dá a formação da culpa, dada a determinação legal para o seu fim, conforme ordena o Ac. 04/2013, de 17 de Setembro, que “erradicou” do ordenamento jurídico moçambicano a prisão preventiva indeterminada após a culpa formada, tal como previa o §3 do art. 308.
A actuação supra referenciada, mas não é do que um verdadeiro atentado ao moderno e cultor Estado de direito, com a possibilidade de inspirar todo um aparelho, judiciário, a proceder desconforme. E nos dois casos, a actuação do Tribunal Supremo, com responsabilidades acrescidas e decisivas no direito moçambicano tem sido desconforme e “mimada” pela apatia da comunidade jurídica e dos cultores dos direitos humanos.
A solução e saída para o presente dilema, “propositado”, parece ser apenas uma, CUMPRIR A LEI, fazendo, desse modo, valer o esforço da Dra. Alice Mabota e dos demais co-signatários do Ac. nº 04/2013.
p.s. poucas ficam as dúvidas, a cada dia, da politização dos tribunais, que pedra a apedra, por imposição do nosso hino, serão vencidas… e aqui fica, quem sabe, um mero contributo…