* Vénia é devida à Hafsa Yacoob, que me recordou, em “reprimenda”, de direitos autorais alheios, e me recolocou no eixo sempre querido, o presente título!
O Nosso Estado de Direito
Parto convicto de que os modelos colonial e monopartidário terão sido os mais honestos para consigo mesmo. Porque os “excessos” que apregoavam resultavam de espírito e de letra de lei que os conformava. No colonialismo era de lei a divisão entre a Metrópole e o Ultramar, entre brancos e pretos –de primeira e de segunda-, entre homens e mulheres. No monopartidarismo era de lei a pena de morte (salvos que fomos da lei do chicote), a ausência de “pluralidade” de pensamento e de algumas liberdades, ainda que lograda a libertação do homem e da terra do jugo colonial, uma época que gera alguma “saudade” em certo intérprete que para lá deixou a arte e se fez político.
Dissímil dessa convicção, de “reciprocidade” entre as normas e vivências de então, é a minha de que o actual Estado de Direito não se afigure consentâneo, de todo, com as actuais vivências, pois estou convicto que as normas, “poucas e débeis”, não se afiguram correlatas do que se vive! Apesar de serem devidos reconhecimento e elogios pelo crescente desenvolvimento e cometimento das instituições e dos membros da nossa comunidade política.
O ponto de partida para esta “crise” será, na minha opinião, o processo de novação que se revela meramente formal, desde a fundação da nossa república, que nunca foi levado com seriedade e que permite que normas contrárias à essas constituições (as de 1975, 1990 e 2004) vigorassem e vigorarem no nosso ordenamento jurídico.
Vale lembrar que à luz da Constituição em vigor, percorridos alguns cânones de interpretação, a maioridade civil pode ser considerada a partir dos 18 anos de idade, diverso do que é “mister” no Código Civil, mormente no seu art. 125, em que a maioridade é de 21 anos de idade [uma tremenda dor de cabeça para a vida dos jovens cidadãos, que aos 18 anos podem pegar em armas, trabalhar, casar, “procriar”, porém, sem que possam administrar livremente seus bens… ou então titular por si uma conta bancária…]. Malogro que se vive igualmente no nosso direito processual penal pátrio, onde por exemplo, a omissão da pretensão de recorrer de sentença ,em processo sumário-crime, dita o trânsito em julgado e os consequentes abusos de quem tem a “nobre” missão de julgar. Norma claramente expurgável do nosso ordenamento jurídico pelo fundamental interesse subjacente, o do contraditório!
O píncaro deste estágio será o poder discricionário de cumprir ou não a lei, assim como o de fazer cumprir ou não, a mesma lei. Pois, nos dias que correm, aliás, terá sido sempre assim, cumprir a lei afigurar-se-á um poder verdadeiramente discricionário dos cidadãos por si e para si, ou então no processo de formação de vontades que se quererão colectivas (p. ex. a fuga ao fisco se tem afigurado um acto deliberadamente volitivo em certos seguimentos sociais, quer se trate de pessoas singulares, quer se trate ainda de pessoas colectivas… não menos preocupante, será a capacidade do nosso ente tributário de cobrar de forma eficaz o que ao Estado é devido, assim como o seu poder discricionário de cobrar ou não à determinados sujeitos ou entes, em clara “inobservância” do que postularão os arts. 2, n.º 4 e 35 da nossa Constituição). Para não falar da “miopia” de quem detém, por “exclusivo”, o impulso processual e o estrito dever de observância legal, que parece ter alguma “paixão”, oculta ou por medo, daquele que tenho ousado chamar, “carinhosamente”, Barrabás.
É, porém, certo que o actual quadro jurídico-político, propicia o exercício de liberdades, ainda que algo “descontroladas e discriminatórias, pois bastará ser “G40” para não ter direito à ela [assunto sobre o qual me dedicarei de forma desapaixonada e detalhada nos próximos tempos, ainda que paixão se me possa reconhecer…]. Mas esse campo se afigura igualmente de exageros, primeiro, por alguma inércia jurídico-legal quando se trata de responsabilizações, e segundo porque haverá um longo caminho a percorrer para a consciencialização dos limites éticos a respeitar no exercício de tais liberdades [o limite da nossa esfera jurídica privada pressupõe o início de outra… pois, p. ex., nos dias que correm, em que os nossos carros se tornam autênticas discotecas, haverá necessidade de partilhar tal direito, o de ter tal discoteca, ambulante, com o direito ao repouso de outrem…].
Não menos hilariante é o fenómeno da justiça cara, em que quem pode por ela pagar, desde a escolha de um bom ou malabarista [estes aos montes e impunes…] defensor, verá seus interesses bem e tempestivamente salvaguardados, como o direito dos barulhentos, em que quem mais grita parece rei e temido e quem for roco será “fraco e saco de pancada”…
Por aqui teremos o nosso Estado de Direito… que pedra a pedra se constrói, mas carente de celeridade para a sua eficaz prossecução… em que elogios pelo que se faz e logra são devidos à todos.
ps1. poderia escrever sobre a imposição de modelos e teorias normativas e políticas, condicionantes a ter em conta, mas ficará para outra oportunidade…
ps2. este ensaio perdurará por pelo menos 12 meses, de que lhe caberá sempre uma janela para possíveis respostas…
ps3. viva a liberdade…!